Difícl era dizer em que tremor terminava o arrepio e começava a sensação gelada no abdômen compacto, rígido. Um emaranhado de órgãos que, ao ser contraído pelos músculos aflitos, gerava a falsa impressão de controle da minha fala - pobre dela - tão frouxa que as palavras se derramavam líquidas, desalinhadas.
Aquele que - míope, talvez? - se deixasse levar pelos próprios ouvidos e esquivasse os olhos dos meus gestos retorcidos, à beirada do cômico, poderia ser induzido a crer que eu apreciava com naturalidade a conversa. Afinal, minha boca, tão externa às linhas que me desenhavam, agia de modo espantoso mesmo a mim: à revelia da expectativa daquele encontro, tão associada à mudez quanto as raízes são associadas ao chão, eu me mostrara eloqüente como num palanque. Falava a curtos intervalos, com léxico requintado, frases ricas em inversões e subordinações, os assuntos variados.
E eu, espectador interno de meu próprio monólogo, assistia temeroso minhas mandíbulas funcionarem em modo automático, regidas por sinapses espontâneas do sistema já tão nervoso e motivadas pela necessidade de impressioná-la, satisfazê-la.
Era este o único fiapo de corda, imaterial e impossível, ao qual eu podia me segurar. Mas ainda ali, ventríloquo meu e imóvel naquela situação forjada, inestimável e odiada, sabia que chamar a este momento 'felicidade' era equivocado. O molde deste termo, já bem forjado por anos de uso, jamais bem se encaixaria à queimação angustiada e ao ardor daquele momento. Menos então ao período posterior, no qual o idealizado encontro, bem ou mal sucedido, teria chegado ao seu fim e, pior, com repetição incerta. No ônibus, voltando para casa, saberia com clareza viva que a espera acabara, a tentativa acabara e milênios inteiros se passariam sem planos em que se segurar, sem diálogos forjados, sem esperança alguma de um futuro ofuscante ao alcance das mãos tal como o fiapo da corda. A corda havia arrebentado então, e, no ônibus, restavam as mãos úmidas e vazias.
-possivelmente não haverá a parte II
Nenhum comentário:
Postar um comentário