segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

enquanto isso do lado de cá


Esse foi meu primeiro bolo, realizado mediante alguns equívocos culinários, para o C., que chega mais tarde do trabalho.

Escrevo esse texto em intervalos de "Chega, Bacon!" por conta dos pulos do meu gatinho em suas tentativas de capturar meus dedos no teclado. Ele e a irmãzinha, Brócoli, acabaram de completar 3 meses e pesam menos do que 1,5 kg, mas já desenvolveram personalidades distintas e individualmente notáveis. 

Nasceu, de fato, uma família no centro de São Paulo- de quatro integrantes, fruto do acaso e de uma vontade obstinada, dele antagônica consorte.

Eu estou aqui resfriada nesta cama, notebook, meu livro do Saramago e papéis sujos espalhados, repreendendo meu gatinho Bacon e esperando ansiosa C. chegar.
Eu dificilmente poderia estar mais feliz.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

parte I

Ela percebeu que a luz estava acesa. Ainda sem ter retornado da inconsciência que a preenchia pela boca aberta, amarga, seca, quem percebeu o contraste de brilho entre o exterior do quarto e as retinas escondidas foi o corpo - mais precisamente um dos pés, ao passear pela superfície das pernas, em movimento de quem dorme acompanhado somente de si, sem o pudor da movimentação feminina, silenciosa ou mesmo pudica. Seu pé entendeu o amarelo quase agressivo da luz como dia novo e avisou às demais partes do corpo. Trechos do linho dos lençóis e mesmo o colchão tornaram-se cientes da necessidade ancestral de despertar frente à origem já tão repetida do dia, não pelo gérmen de ancestralidade que há em utensílios de pano e espuma para o sono, nem pela sua proximidade atemporal com os seres humanos que deixaram de dormir em madeira ou pedra, nada disso; o que ocorreu é que o corpo estava tão distante da consciência, enterrada esta nas profundezas de quase morte do sono, que aquele, o corpo, abandonadamente orgânico, como só o é de fato quando transformado em cadáver, mesclou-se aos tecidos que acompanhavam o descanso.

Assim, todos souberam que a luz estava acessa, ela e os lençóis, igualmente o colchão.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

ocultismo

Mora no meu ventre um dragão escamoso repleto de uma ganância que termina em si.

Dorme com a barriga espalhada sobre o tesouro dos meus defeitos que a ninguém interessa; e, fêmea como é, quando mulher o atiça, arde meu rosto de um vermelho bem distinto do habitual rubor. 

Permite uma transmutação que, após o transe, me parece mal encenada e causa uma dor maior do que o alívio do sangue, finalmente transitando pelo meu corpo após o acúmulo súbito na cabeça.

Eu rumino a gestação eterna deste bicho, que é sinuoso e violento.